quarta-feira, 17 de junho de 2009

Aos filhos da Paixão . Extrordinário poema de Hamilton Pereira(Pedro Tierra) em homenagem ao Partido dos Trabalahdores.

Nascemos num campo de futebol.
Haverá berço melhor para dar à luz uma estrela?
Aprendemos que os donos do país só nos ouviam quando parava o rumor da última máquina... quando cantava o arame cortado da cerca...
Carregamos no peito, cada um, batalhas incontáveis. Somos a memória perigosa das lutas.
Projetamos a perigosa imagem do sonho. Nada causa mais horror à ordem do que homens e mulheres que sonham.
Nós sonhamos e organizamos o sonho.
Somos negros, nordestinos, nisseis, índios, mulheres, mulatas, meninas de todas as cores, filhos, netos de italianos, alemães, árabes, judeus, portugueses, espanhóis, tantos...
Nascemos assim desiguais como todos os sonhos humanos. Fomos batizados na pia, na água dos rios, nos terreiros...
Fomos, ao nascer, condenados a amar a diferença.
Amar os diferentes. Viemos da margem.
Somos a anti-sinfonia que estorna na estreita pauta da melodia.
Não cabemos dentro da moldura... Somos dilacerados como todos os filhos da paixão. Briguentos. Desaforados. Unidos: como meninos de rua.
Quando o inimigo não fustiga, inventamos nossas próprias guerras, desenvolvemos um talento prodigioso para elas...
Compomos um rosto de peão,
Uma voz rouca de peão
O assombro dos peões para oferecer ao país,
Para disputar o país.
Por sua boca dissemos, na fábrica, nos estádios, na praça que este país não tem mais donos.
Em 84 viramos mutidão. Inundamos as ruas. Somamos nosso grito ao grito de todos. Depois gritamos sozinhos. E choramos a derrrota de nossas bandeiras.
88: como aprender a governar e desenhar em cada passo, em cada gesto, a cada dia, a vida nova que nossa boca anunciou?
89: encarnamos a tempestade. Assombrados pela vertigem dos ventos que desatamos. Venceu a solidez da mentira,do pré-conceito.
Dois anos depois pintamos a cara,como tantos, e fomos a rua reinventar o arco-íris e a indignação.
Dessa vez a fortaleza ruiu diante dos nossos olhos.
E só havia ratos depois dos muros.
A fortaleza agora está vazia. Ou povoada de fantasmas.
O caminho que conduz a ela passa por muitos lugares:
Caravanas.
Pelas estradas empoeiradas, do povo, pelos mandacarus e juazeiros, pelos seringais, pelas águas da Amazônia, pelos Pampas, pelos cerrado e pelos babaçuais, mas sobretudo pela invencível alegria que o rosto castigado da gente demonstra a sua passagem.
A revolução que acalentamos na juventude faltou.
A VIDA não. A VIDA não falta. E não há nada mais revolucionário que a VIDA.
Fixa suas próprias regras.Marca a hora e se põe diante de nós, incontornável.
Os filhos da margem têm os olhos postos sobre nós.
Eles sabem, nós sabemos que a vida não concederá uma nova oportunidade.
Hoje temos uma cara. Uma voz. Uma bandeira. Temos sonhos organizados.
Queremos um país onde não se matem crianças que escaparam do frio, da fome, da cola de sapateiro.
Onde os filhos da margem tenham direito à terra, ao trabalho, ao pão, ao canto, à dança, às histórias que povoam nossa imaginação, às raízes da nossa alegria.
Aprendemos que a construção deste país não será obra apenas de nossas mãos. Nosso retrato futuro resultará da desencontrada multiplicação dos sonhos que desatamos.

Pedro Tierra

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