segunda-feira, 8 de junho de 2009

Viver revolução. Leon Trotsky




















Leon Trotsky revolucionário russo.

Trotsky e a Revolução

Florestan Fernandes

Em um período histórico no qual o socialismo é posto em questão, em termos de cultura comercializada de massas e de marketing, é deveras importante invocar a figura de um revolucionário como Trotsky. Depois dos livros de Isaac Deutscher, não existem mistérios a desvendar. Além disso, o próprio Trotsky cuidou de sua biografia, em obras que se voltavam para a sua vida, a Revolução Russa - na qual teve participação decisiva - e a trajetória de suas lutas pós-revolucionárias, inclusive os desdobramentos da fundação e evolução da IV Internacional.

Dois temas devem ser ressaltados como ponto de partida. O primeiro refere-se à sua condição de Intelectual brilhante e de revolucionário ardente. Um grande orador e agitador, era também das figuras mais cultas e refinadas quanto à erudição literária e ao saber filosófico do movimento revolucionário. O outro relaciciona-se com algo típico. Os revolucionários russos romperam com suas origens sociais: seu desencaixamento era total. Não mantinham liames com a ordem social existente, seja a que prevalecia na Rússia, seja a que sustentava o esplendor da Europa. Marxistas experientes estavam convictos de que a revolução deveria assumir proporções supranacionais e defendiam com ardor o internacionalismo proletário. Por isso, combatiam de forma implacável a autocracia czarista e todas as acomodações com a democracia burguesa que tivessem por objetivo a "melhoria" das classes e da sociedade de classes. O apoio dado em 1905 e posteriormente à revolução burguesa continha o teor de um recurso tático.

Trotsky ficou famoso pela previsão, feita de modo independente também por Lênin, do curso da revolução. Em sua formulação sobre o desenvolvimento desigual e combinado estabeleceu que, em sociedades atrasadas, as classes trabalhadoras e destituídas podiam acelerar o processo histórico, desempenhando as tarefas negligenciadas ou repelidas pelas classes proprietárias. Em conseqüência, cabia-lhes desencavar processos históricos latentes à ordem existente, infundir-lhes maior velocidade e encetar a criação de uma sociedade nova. Repunha o conceito de "revolução permanente", de Marx e Engels, em uma perspectiva simultaneamente teórica e prática, indo ao fundo dos dinamismos coletivos das classes despossuídas na impulsão e na fusão dialética de reforma e revolução sociais.

Ele foi um dos gigantes do desencadeamento e da condução da Revolução Russa. Incansável, Imaginativo e Inventor de Inovações Imprevistas, revelou-se um gênio político e militar. Dirigiu o exército vermelho em suas mais difíceis e retumbantes vitórias. Empenhou-se em múltiplas tarefas complexas, como o tratado de Brest-Litovsky com os alemães, e encargos que exerceu depois de ultrapassado o "socialismo de guerra". Tido como um homem vaidoso, no entanto reconheceu em Lênin o único estrategista da revolução. Sua monumental obra sobre a Revolução Russa não se apresenta como um pedestal de suas atividades heróicas. Representa a tentativa de um participante, situado em uma posição ímpar, de reconstituir os diversos momentos cruciais da revolução, articulá-los em uma totalidade e interpretá-los segundo a ótica marxista, isto é, revolucionária. Em seguida, tornou-se um dos críticos dos "desvios burocráticos", Identificados por Lênin, e um oponente implacável das deformações da revolução (a qual, não obstante, defendeu com vigor, mesmo no exílio e em confronto de vida e morte com Stalin).

O que pensaria Trotsky hoje, diante dos artifícios e traições intrínsecos ao debate sobre o "fim do socialismo" e a "morte do marxismo"? Ele, que apontou precocemente a necessidade de uma revolução política corretiva, seria certamente muito duro na condenação de um "revisionismo" cego e destrutivo, que não busca a renovação do socialismo revolucionário, mas a sua transformação em joguete de uma guerra ideológica suja. Não deixaria de assinalar que há uma colheita desastrosa de erros acumulados, que poderiam ter sido evitados se a herança de Marx e Engels e o exemplo de Lênin tivessem sido postos em prática.

Mas ele seria Implacável com os "fariseus", que se proclamam socialistas ou ex-marxistas, mas cerram fileiras com as correntes Intelectuais da moda, a partir dos centros de produção cultural e de propaganda das nações capitalistas centrais. A democracia que nasce do marxismo nada tem a ver com a democracia plutocrática e militarista, que combina promessas com repressão (no dizer de Miliband). Elas se alternam e se anulam, dentro de um sistema capitalista de poder que comporta regularmente manifestações assustadoras de fascismo potencial. Trotsky converteria sua caneta em uma desmascarando os defensores inconseqüentes de social-democratismo que destina à periferia (e aos pobres "absolutos" ou "relativos" de seus próprios povos) a "mudança social conservadora". Ou seja, a mudança que reproduz a ordem existente e proscreve as alternativa radicais à civilização sem barbárie.

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