sexta-feira, 19 de junho de 2009

Exclusivo parecer de José Genoino contrário a PEC do 3º mandato

Genoino dá parecer contrário à PEC do 3º mandato

Em relatório divulgado nesta quinta-feira (18), o deputado federal José Genoino (PT-SP) emitiu parecer contrário à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê a possibilidade de prefeitos, governadores e presidente da República sem elegerem três vezes consecutivas para o mesmo cargo. Genoino é relator da PEC, de autoria do deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Leia abaixo a íntegra do parecer:

Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania


PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 373, DE 2009

Altera o § 5º do art. 14 da Constituição Federal e dá outras providências.

Autores: Deputado Jackson Barreto e outros

Relator: Deputado José Genoino

I - RELATÓRIO

A proposta de emenda à Constituição em foco, que tem como primeiro signatário o Deputado Jackson Barreto, pretende alterar o § 5º do art. 14 do texto constitucional para instituir a possibilidade de os ocupantes dos cargos de chefia do Poder Executivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serem reeleitos para até dois períodos subsequentes ao do primeiro mandato.

De acordo com o previsto no art. 2º da proposta, sua promulgação deverá sujeitar-se a referendo popular, a ser realizado no segundo domingo de setembro próximo, devendo o Tribunal Superior Eleitoral adotar as providências necessárias para sua execução.

Na justificação apresentada, argumenta-se que o intento da proposta não seria “permitir a sucessividade indeterminada de mandatos, mas apenas a possibilidade de até três mandatos sucessivos”. Não haveria “razão lógica” para a proibição da segunda reeleição, “mesmo porque, a rigor, cabe ao eleitorado decidir sobre a continuidade ou descontinuidade da gestão posta ao crivo das urnas”. A norma sobre a realização do referendo objetivaria que “o povo, titular do poder, diga se está ou não de acordo com o seu conteúdo. Afinal, nada limita a vontade popular: o povo é soberano”.

Esclarece-se, ao final, que a data da realização da consulta popular foi definida de modo a atender ao princípio da anterioridade eleitoral, previsto no art. 16 da Constituição, devendo a nova norma aplicar-se já para as eleições de 2010.

A matéria vem a esta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para exame dos aspectos de admissibilidade.

É o relatório.

II - VOTO DO RELATOR

A proposta de emenda à Constituição ora examinada me parece, irremediavelmente, fulminada de inconstitucionalidade, atingindo valores e elementos essenciais do Estado democrático-republicano, consagrado pelo texto constitucional de 1988.

Antes de qualquer outra coisa, a medida proposta agride o senso comum de justiça e razoabilidade ao pretender aplicar-se aos atuais detentores de mandato eletivo, alterando regras do jogo político em andamento no intuito de favorecer determinados resultados. A ilegitimidade da empreitada salta aos olhos: procura-se contemplar, por meio de emenda constitucional, interesses pertinentes à política ordinária, cotidiana, o que se mostra em completo descompasso com o papel institucional reservado ao poder reformador pelo Constituinte originário.

Confiram-se, a propósito, as lúcidas ponderações de um prestigiado constitucionalista sobre essa temática:

“A Constituição institui os órgãos do poder constituído e impõe limites de forma e de conteúdo à sua atuação. O poder constituinte, como intuitivo, é superior ao poder constituído, assim como a Constituição desfruta de supremacia em relação à legislação ordinária. Os valores permanentes inscritos na Constituição têm primazia sobre as circunstâncias da política ordinária. (...)

Duas teses desenvolvidas nas últimas décadas procuraram fornecer legitimação para a superioridade jurídica do poder constituinte. A primeira delas está na idéia de pré-compromisso ou autovinculação. O povo, ao elaborar a Constituição, impõe a si mesmo e ao seu poder soberano limitações que resguardem o processo político democrático dos perigos e tentações que possam abalá-lo no futuro. Por esse motivo se protegem os direitos fundamentais e se impõem procedimentos destinados a impedir a opressão das minorias pelas maiorias. Outra tese de amplo curso é a da democracia dualista, que divide a atividade política em duas: a política constitucional – que se pratica em momentos cívicos específicos de ampla mobilização do povo – e a política ordinária, que fica a cargo da classe política e dos organismos do poder constituído. A vontade manifestada naqueles momentos especiais prevalece sobre a dos momentos rotineiros (...) As limitações que impõe às maiorias políticas supervenientes destinam-se a preservar a razão republicana – que se expressa por meio de valores e virtudes – das turbulências das paixões e dos interesses da política cotidiana.” (grifos nesta transcrição).

Ora, a proposta de emenda constitucional aqui analisada traz em sua essência o reflexo dessas paixões e interesses da política ordinária. A norma que visa a aprovar, cabe reconhecer, constitui mesmo verdadeira tentação para quem dela poderia se beneficiar. Uma tentação que espera legitimar-se democraticamente por meio da obtenção de apoio popular, prevendo a realização de um referendo sobre a matéria - “afinal”, argumenta-se na justificação, “nada limita a vontade popular: o povo é soberano”. Como se fosse razoável supor que o povo pudesse decidir um assunto como esse de forma isenta ou alheia aos interesses eleitorais em jogo, sem se deixar seduzir nem contaminar, também ele, por esses interesses e paixões e pelo ambiente político específico, conjuntural, do momento da consulta popular a ser realizada!

Não me parece haver dúvida de que uma proposta como essa não encontra guarida nos princípios e valores da Constituição de 1988. Como se afirmou inicialmente - e em total coerência com o que já sustentei desde a época da propositura da emenda que consagrou a atual possibilidade de uma reeleição para cargos do Poder Executivo - alterar regras com vista ao favorecimento específico de determinadas candidaturas numa disputa eleitoral afronta o senso comum do que seja justo, correto e razoável em termos de competição democrática. Naquela ocasião, defendi a tese da inadmissibilidade e meu entendimento, hoje, não seria e não será diferente.

O poder de reforma constitucional é, reconhecidamente, um poder limitado, sujeito às restrições impostas, explícita ou implicitamente, pelo Constituinte originário. Segundo Machado Horta[1], a limitação é idéia imanente ao poder reformador, e não se esgota nem se exaure nas cláusulas pétreas expressamente inseridas no texto constitucional. Os fundamentos da Constituição, as decisões políticas fundamentais tomadas pelo Constituinte originário seguramente também não podem ser atingidos pelo poder de emenda. É que, como ponderam os juristas mais autorizados, “se a reforma da Constituição tem por objetivo revitalizar a própria Constituição como um todo, é de entender que a identidade básica do texto deve ser preservada, o que, por si, já significa um limite à atividade da reforma.”

De acordo com a melhor doutrina constitucional contemporânea, os valores morais compartilhados por uma comunidade em determinado momento e lugar migram do plano ético para o plano jurídico por meio da materialização em princípios, os quais passam a ter abrigo explícito ou implícito na Constituição. Esses valores traduzidos em princípios é que dão identidade e unidade ao texto da Constituição, representando limites inequívocos à atuação do poder constituinte instituído ou derivado.

Um desses princípios, que considero relevante na presente análise, é o da razoabilidade, um princípio, na visão de Luís Roberto Barroso, “mais fácil de ser sentido que conceituado”. De reconhecimento recente entre nós, mas em forte e expressivo desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial, consiste em parâmetro importante de avaliação da legitimidade dos atos do Poder Público, de aferição de sua conformidade com valores superiores como racionalidade, adequação, senso comum, rejeição aos atos arbitrários ou caprichosos e, em última análise, justiça.

Estou convicto de que a proposta de emenda à Constituição, ora em exame, ao prescrever regra de aplicação imediata que interfere nas condições da competição eleitoral-democrática, visando, confessadamente, a favorecer com a possibilidade de mais um mandato aqueles que já se encontram no poder, afronta o senso comum de justiça prevalecente na nossa sociedade, revelando-se medida casuística e caprichosa que se ressente dos requisitos básicos de razoabilidade.

Mas isso não é tudo.

Limitei-me, até este ponto, ao exame da questão da aplicabilidade imediata da regra proposta. Resta ainda analisar a legitimidade constitucional da instituição, em si mesma, de mais uma possibilidade de reeleição para além das duas já previstas no texto vigente, o que, em princípio, não parece ter lugar adequado nem confortável numa forma de governo como a que adotamos no Brasil.

Estou convencido de que o princípio republicano, muito embora não conste expressamente do rol de cláusulas imodificáveis previstas no art. 60 da Constituição, passou implicitamente a dele fazer parte, sobretudo após a decisão plebiscitária de 1993. É que, como defende boa parte dos constitucionalistas, a inequívoca preferência do eleitorado brasileiro pela forma republicana de governo condicionou e limitou a atuação do poder constituinte derivado nessa seara. Confira-se, a propósito, o argumento sempre respeitável de Raul Machado Horta a respeito:

“O plebiscito, sufragando a República, recomenda o restabelecimento da irreformabilidade dessa forma de Governo que teve origem na Constituição de 1891 associando República e Federação na proibição de proposta de emenda, sempre reproduzida [a irreformabilidade] nas Constituições Republicanas posteriores, regra que o texto de 1988 suspendeu em homenagem à manifestação soberana do eleitorado, afinal verificada para os efeitos de cancelar a cláusula da provisoriedade da forma de Governo.”

Quero me deter um pouco mais nesse ponto, amplificando o toque doutrinário aqui selecionado e apresentando meu ponto de vista de legislador em várias legislaturas e – cumpre lembrar – de membro da Assembleia Nacional Constituinte, que ativamente participou de todos os momentos da elaboração constitucional, que resultou no texto magno de 1988.

Estamos no campo – repita-se – das chamadas limitações explícitas e implícitas da Constituição ao poder constituinte derivado, ou poder de reforma. As limitações explícitas, que se tornaram bem conhecidas sob a denominação de “cláusulas pétreas”, também chamadas, pelo renomado constitucionalista português Jorge Miranda, de “cláusulas de perpetuidade ou de imodificabilidade”, ao contrário do que se pode imaginar, nem se esgotam no conteúdo do §4º, do art. 60 da Constituição (haja vista o disposto no § 2º, do art. 5º da Constituição (“os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”), nem se exprimem neste e em outros conteúdos expressos espalhados no texto constitucional. Daí que, implicitamente, a Constituição também estabelece limitações a sua reforma. Como ensina o grande mestre dentre os constitucionalistas brasileiros, o Professor José Afonso da Silva, devemos distinguir entre limitações materiais explícitas e limitações materiais implícitas.

Duas dessas limitações – extremamente importantes a meu ver – nem são tão implícitas assim. Explico. Dispõe o §4, do art. 60 da Constituição:

“Art. 60...............................................................................

§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

............................................................................................”.

De outra parte, o art. 1º da Constituição estabelece que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos...”. Ora, expressa e correlativamente, a República é Federativa e a Federação é Republicana. Isso consubstancia uma opção nitidamente feita pelo Constituinte e, objetivamente, plasmada no texto constitucional como uma dupla proteção do Estado brasileiro contra aventuras, inclusive supostamente constitucionais. Essa certeza, na minha opinião, se deduz, por meio de interpretação sistemática, do que consta do citado §4º , do art. 60, em combinação com o parcialmente transcrito art. 1º e, mais, com o disposto no parágrafo único do art. 1º que determina: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Assim entendidos esses dispositivos em seu contexto, tem-se, logicamente, que a República se “pratica” mediante a representação que emana do povo, periódica e temporariamente manifestada pelo voto e nele embasada, e ela (a República) é federativa, vale dizer, não unitária, na forma de ser exercida. Logo, por princípio e por limitação constitucional implícita, embora explicitamente decorra de interpretação lógico-sistemática, não é da natureza do Estado Democrático de Direito brasileiro a não-periodicidade, a não-temporariedade do exercício do poder representativo.

Esse é o meu entendimento, já sedimentado desde que fui contrário à aprovação da emenda da reeleição em 1995. Pensar diferentemente implicaria admitir, por exemplo, que seria possível emendar a Constituição (porque não há cláusula pétrea expressa que impeça abolir a República) para se propor a instauração da monarquia. Contudo, mesmo com tal enfoque equivocado, é bom que se considere que, uma vez instituída a República pelo Constituinte (originário) de 1988, não se pode impedir a temporariedade dos mandatos, o que se traduz por meio de eleições periódicas, por tempo limitado. Assim é que, uma proposta de emenda constitucional admitindo o terceiro mandato presidencial, de governadores e prefeitos viola o princípio republicano atualmente consagrado, porque traz em seu bojo a possibilidade de reeleições sucessivas e por isso frustra o caráter de temporariedade dos mandatos, que é da essência da República e, no nosso caso, da República Federativa, o que implicaria, ademais, na tendência, abolir, aí sim, a forma federativa de Estado, expressamente vedado pelo inciso I, do § 4º, do art. 60 da Constituição.

Acrescente-se que, portanto, mais ainda do que direitos e garantias individuais, insuscetíveis de eliminação pelo poder reformador, no caso da proposta de emenda à Constituição sob exame, seriam Princípios Fundamentais da própria República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, representativo, periódico e temporário que tenderia a ser abolido, via reforma, que objetiva, no fundo, estender o exercício do poder além do limite constitucional republicano definido em nossa Constituição.

Na verdade, mesmo aqueles que porventura defendam posição diversa dificilmente deixarão de reconhecer a intenção do Constituinte de 1988 de proteger, de forma permanente, os valores e princípios essenciais do republicanismo democrático. A cláusula pétrea do “voto direto, secreto, universal e periódico”, neles nitidamente inspirada, é inquestionavelmente um instrumento dessa proteção.

Para Luís Roberto Barroso, embora a cláusula em questão não se pareça formalmente com uma cláusula principiológica e sim com uma regra, uma prescrição de tipo mais objetivo, o voto direto, em si mesmo, passou a ser um símbolo essencial do regime democrático brasileiro em razão de circunstâncias históricas específicas, como foi o caso do movimento ‘Diretas já’. E conclui o autor:

“Por metonímia, o que se deve ler é que os elementos essenciais do Estado democrático são intangíveis. Note-se que a referência a voto secreto visa a proteger a liberdade de participação política, que deve estar imune a injunções externas indevidas. A qualificação universal abriga a idéia de igual participação de todos e o caráter periódico reverencia um dos aspectos do ideal democrático-republicano, que é o controle popular e a alternância no poder.” (grifos nesta transcrição).

O entendimento vai ao encontro da festejada lição de José Afonso da Silva a respeito da extensão dos limites impostos pelo Constituinte originário ao poder reformador. Na visão do Professor, é evidente que a Constituição não quis impedir apenas emendas que expressamente declarem a abolição, pura e simples, de cada uma das cláusulas ali enumeradas. A vedação se estende e alcança, seguramente, todos os seus elementos intrínsecos, conceituais. E para configurar a inadmissibilidade, basta que a proposta de emenda se encaminhe, ainda que remotamente, que tenda para a abolição de um ou mais desses elementos.

Pois bem. A meu ver, a proposta de emenda à Constituição sob análise, ao pretender instituir a possibilidade de a mesma pessoa ocupar a titularidade da chefia do Poder Executivo, por até doze anos consecutivos, tende a abolir o caráter periódico do mandato, assim como a reduzir as possibilidades reais de alternância entre os titulares. Porque afinal (e aqui me socorro mais uma vez do princípio da razoabilidade), doze anos é período excessivamente longo para que um mandato possa comportar, adequadamente, ou razoavelmente, o qualificativo temporário.

Sobre esse tema algumas considerações feitas por um jovem professor de direito do Estado do Pará, autor de um “blog” na internet dedicado aos assuntos de constitucionalidade me chamaram a atenção. Pela propriedade e adequação com que foram empregados os argumentos, tomo a liberdade de reproduzir parte do texto como ilustração a mais da tese adotada neste parecer. Confira-se:

“Temporariedade significa que os cargos públicos políticos têm mandatos temporários, e não vitalícios. Assim, tais mandatos têm marco inicial numa eleição e marco final na eleição seguinte. Os motivos clássicos que a teoria democrática fornece para essa exigência são dois: fornecer uma instância de controle democrático posterior sobre o modo de exercício do mandato político e fomentar a variabilidade das pessoas e grupos que exercem o poder político. (...) Tal revezamento ou rotatividade deveria estar presente até mesmo quando o mandato político é bem exercido, porque não se trata de variar para mudar o que vai mal, e sim de variar para manter o equilíbrio e o pluralismo com que se exerce o poder político. Quando uma mesma pessoa ou um mesmo grupo fica no poder por mais tempo que um mandato, existe uma cristalização das configurações políticas, favorecem-se as mesmas políticas, os mesmos interesses, praticam-se os mesmos procedimentos, as mesmas alianças, existe identificação do cargo com a pessoa (personalismo do cargo) ou com o partido (partidarização do cargo), o que acirra os ânimos dos grupos e interesses desatendidos, gera rivalidades e conflitos e faz nascer um sentimento geral de insatisfação e de injustiça”.

Gostaria de relembrar e bem assinalar que, em 1995, defendi, com idênticas razões aqui expostas e, mais ou menos, com os mesmos argumentos de agora, este voto, que por sinal está de acordo com os questionamentos que eu e a Bancada do meu Partido, o PT, fizemos, quando da discussão e votação, na então Comissão de Constituição e Justiça e no Plenário desta Casa, defendendo posição contrária à proposta de reeleição que acabou, afinal, sendo aprovada e transformada na Emenda Constitucional nº 16, hoje ainda em vigor. Disse na CCJR que referida emenda era casuísmo porque mudava a regra do jogo com os mandatos em curso para beneficiá-los.

Nessa nova iniciativa que ora se apresenta à apreciação da Casa, os problemas de constitucionalidade, que já contaminavam o texto naquela época, parecem aguçados. É que a “tendência” para abolição de princípios caros à normalidade das instituições democráticas e republicanas, diante de mais uma possibilidade de reeleição para os titulares do Poder Executivo, avança, em relação àquela, mais alguns passos na direção das vedações impostas ao poder de emenda constitucional, revelando-se, portanto, ainda mais forte e de mais difícil contenção.

Destaco, aqui, a insuperável lição de Norberto Bobbio:

“Quando se põe o problema do ‘novo modo de fazer política’ – com uma fórmula aliás desgastada pelo longo uso e pelo abuso e, como todas as fórmulas políticas, carregada mais de força sugestiva que de significado – não se deve dirigir a atenção apenas para os eventuais novos sujeitos e para os eventuais novos instrumentos de intervenção, mas também, e acima de tudo, para as regras do jogo com as quais se desenrola a luta política num determinado contexto histórico.

O discurso sobre as regras do jogo é extremamente importante, e não pode ser eliminado se não se deseja cair diante de um problema mal posto e, nesta medida, insolúvel. E isto ao menos por duas razões. Antes de mais nada, porque o que distingue um sistema democrático dos sistemas não democráticos é um conjunto de regras do jogo...e quem não se deu conta de que por sistema democrático entende-se hoje preliminarmente um conjunto de regras procedimentais, das quais a regra da maioria é a principal mas não a única...”.

Ainda, segundo Bobbio: “E o que é a democracia senão um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) sem derramamento de sangue?”

Quanto a essa concepção, quero registrar a minha concordância com o pensamento de que a democracia é, realmente, certeza de regras do jogo e a incerteza de resultados.

Mais: o princípio democrático da prevalência da maioria só se torna eficaz quando essa maioria se impõe, respeitando os direitos da minoria. Sem o respeito a essa minoria, cuja observância é o que legitima a própria democracia, estaremos sempre diante do enfraquecimento da própria democracia. Nem uma minoria que sufoque a maioria, nem a maioria que desconheça uma minoria corajosa são formas democráticas de exercício de poder e de convivência política. Ademais a condição de maioria e minoria se alternam no tempo político e histórico.

Ao finalizar, registro que é absolutamente necessário sublinhar aquilo que a opinião pública já sabe, sobre o que, porém, talvez haja uma reiteração de dúvida que lhe é insinuada. Refiro-me a que, tanto a direção do meu Partido, o PT, quanto o Presidente Lula, têm, insistentemente, se manifestado contrários a mudar as regras do jogo, possibilitando um terceiro mandato, para cargos de chefia do Poder Executivo em nível federativo.

E essa posição é a que expresso, formalmente, neste voto.

Por todos os motivos aqui expostos, outro não poderia ser o meu voto senão no sentido da inadmissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição nº 373, de 2009.

Sala da Comissão, em, 18 de junho de 2009.

Deputado JOSÉ GENOINO

Relator



[1] Raul Machado Horta, Direito Constitucional, Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p.109.

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