domingo, 10 de maio de 2009

Na hora “H” quem fala mais alto é o imperialismo




O primeiro massacre do governo Obama

Pode-se ter maior ou menor simpatia pelo novo presidente norte-americano,
acreditar-se um pouco mais ou um pouco menos nas suas palavras, valorizar
mais ou menos a mudança de tom do governo dos EUA ao tratar suas diferenças
com outros governos. Mas há um limite para julgar o caráter de um presidente
e de um governo. Esse limite chegou agora, com o massacre de pelo menos 150
civis no Afeganistão.

Já tinha havido mortes, na semana anterior, de algumas centenas de supostos
militantes pelo Exército do Paquistão, cuja credibilidade é nenhuma e
permite supor que se tratava, na sua grande maioria de população civil,
exibida como talibãs, para tentar recuperar minimamente a imagem do exército
daquele país. O governo norte-americano pode fingir que acreditava nessa
versão.

Mas agora as versões vêm das próprias autoridades do Afeganistão, país
ocupado por tropas ocidentais, comandadas pelos EUA. Pelo menos 150 pessoas
– na sua grande maioria mulheres e crianças, sintoma claro de que se trata
de população civil – foram vitimas de bombardeios de tropas ocidentais. Nada
a esconder, nem a duvidar.

Que atitude tomará o novo presidente dos EUA? Considerará essas mortes
“efeitos colaterais não desejados”? Ou como “riscos de todo conflito
bélico”? Ou como “civis que acobertavam a terroristas”? Ou “abrirá uma
rigorosa investigação para apurar responsabilidades”? Ou pedirá “desculpas
aos afegãos por esse erro imperdoável”? Ou “mandará auxilio às vitimas
involuntárias da guerra”?

Nada servirá como pretexto para Obama. Os massacres são e serão componente
inevitável da continuidade da guerra de ocupação do Afeganistão. Vitorioso
dentro do Partido Democrata com uma plataforma em geral progressista, Obama
passou a enfrentar o opositor republicano, que o acusava de “brando” e
despreparado para assumir o que considerava os interesses dos EUA no mundo –
sinônimo das “guerras infinitas” desatadas pelo governo Bush contra toda
legalidade internacional. Para tentar se livrar dessa acusação, mantendo sua
promessa de saída das tropas do Iraque, Obama montou a equação, segundo a
qual os EUA deveriam tirar suas tropas do Iraque e transferi-las para o
Afeganistão.

Estranho raciocínio. Que diferença pode ser feita entre os dois epicentros
das “guerras infinitas”, salvo que no caso afegão, ainda sob o impacto dos
atentados que sofreram, os EUA conseguiram o aval do Conselho de Segurança
da ONU para a invasão. Mas trata-se de algo diferente, nos dois casos, de
invasão e submissão de dois povos a tropas de países estrangeiros? Trata-se
de governantes escolhidos livremente pelos povos dos dois países ou de
autoridades de ocupação impostas, em ambos casos, pela força das armas? Se
faltasse algum elemento de semelhança, este primeiro massacre do governo
Obama veio para confirmar a absoluta similaridade dos dois casos.

O caráter de uma pessoa ou de um governo está dado sobretudo pelo seus atos.
Conhecemos tantos casos de pessoas materialmente comprometidas com a
tortura, que seguiram sendo bons pais de família. Pode-se considerá-los
pessoas de bom caráter? As eventuais virtudes privadas podem perdoar os
vícios públicos?

Para os que se deixam levar pelo sorriso cativante de Obama e pela elegância
de Michelle, este primeiro massacre deve servir de teste do seu caráter,
privado e publico. O governo Obama não será o mesmo depois de não poder
deixar de encarar a brutalidade do que as tropas do seu país, sob seu
comando, está fazendo, no Afeganistão e no Iraque. Nenhum governo é o mesmo,
se passa a conviver como massacres como esse, pelo qual é diretamente
responsável. Os parentes afegãos mortos, - mulheres, crianças, idosos, seus
familiares, o povo afegão, - aguardam e merecem uma palavra de Obama, cujas
mortes não remetem a quando era criança, mas a seu governo e à sua decisão
de intensificar, em lugar, de terminar, com a brutal ocupação do
Afeganistão.

Emir Sader.

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