domingo, 26 de julho de 2009

Santo Dias. Presente.


O assassinato do operário transformou-se em bandeira



Dez horas da manhã de 31 de outubro de 1979. Uma multidão de 30.000 pessoas segue pela rua da Consolação para a catedral da Sé, no centro de São Paulo. O cortejo canta a canção Pra não dizer que não falei das flores, do compositor Geraldo Vandré, tomada como hino pelos que se opõem à ditadura militar iniciada em 1964. À frente vão os bispos auxiliares de São Paulo e de outros Estados, centenas de padres e religiosos, bem como pastores de outras religiões. Logo atrás vem o carro de dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo. Também estão ali muitos estudantes, donas de casa e políticos oposicionistas, lado a lado com representantes de todas as categorias profissionais: professores, bancários, funcionários públicos e milhares de metalúrgicos paulistas. Os operários carregam num caixão simples o corpo do metalúrgico Santo Dias da Silva, assassinado no dia anterior por um policial militar num piquete grevista. No carro do cardeal arcebispo Arns está um casal de adolescentes, filhos do morto: o rapaz, também chamado Santo; a menina, Luciana. A viúva, Ana Maria, segue a pé, amparada pelos caminhantes. Faixas e cartazes se destacam na multidão: “Companheiro, você será vingado”; “Abaixo a repressão”; “Abaixo a ditadura”. Entre as palavras de ordem gritadas, uma de especial contundência: “Chega de manter assassinos no poder!”.

A maior parte dos estabelecimentos comerciais da área central fecha as portas em sinal de luto. Na periferia, principalmente na zona sul, onde se concentra a maior parte das indústrias, nenhum metalúrgico foi trabalhar.

Nada está certo

O cortejo chega à praça da Sé ao meiodia e 40 minutos. A catedral já está lotada quando entra o caixão com o corpo de Santo Dias. Do lado de fora, milhares de pessoas. Dom Paulo preside a missa de corpo presente. Ele diz: “Não está certo. Quase nada está certo entre nós. Que andem munidos de armas de fogo, os que irão encontrar-se com o povo de braços cruzados. Quase nada está certo, quando milhões que constroem a riqueza de uma cidade apanham porque querem dar pão a seus filhos. Pão, só pão e paz. Quase nada está certo nesta cidade, enquanto houver dois pesos e duas medidas: uma para o patrão e outra para o operário”.

Depois da missa, à uma e meia da tarde, o caixão é colocado num carro funerário, que vai pela avenida 23 de Maio, seguido por incontáveis veículos até o cemitério Campo Grande. Ali, 15.000 pessoas acompanham o enterro há 3 horas. Momentos antes que o caixão baixe à sepultura, Luiz Inácio da Silva, o Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, faz um breve discurso: “Se os patrões pensavam que, com a morte de Santo, os trabalhadores iriam ficar com medo, estamos aqui para mostrar que isso não aconteceu”.

O enterro, as manifestações desse dia se converteram num marco histórico político e sindical.

Texto de Luciana Dias e Jô Azevedo. Extraído da Coleção Rebeldes Brasileiros. São Paulo: Casa Amarela.

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