quinta-feira, 16 de julho de 2009

Lições devem ser tiradas. Mais um brilhante texto do companheiro Emir Sader

Emir Sader: O chile e suas duas avenidas

O Chile é o único país, dentre os que teve ditadura militar, em que as forças da ditadura não desapareceram ou se transfiguraram para se distanciarem do período ditatorial. A direita chilena é neo-pinochetista. Pôde contar com a manutenção, adaptada, do modelo econômico pinochetista pela Concertação, aliança entre democratas cristãos e socialistas. É essa direita que é favorita, até aqui, nas pesquisas para a eleição presidencial, escreve Emir Sader no Blog do Emir.*

A grande avenida que sobe paralelamente à Avenida Providência, na direção do bairro alto e da cordilheira continua a se chamar Avenida 11 de setembro - quase duas décadas depois do fim da ditadura pinochetista. Nas pesquisas para as eleições presidenciais de dezembro deste ano, o candidato neopinochetista - o grande empresário privado Sebastien Piñera, proprietário, entre outras empresas, junto com seu irmão, introdutor das contrareformas trabalhistas no governo Pinochet, da Lan Chile - mantêm seus 43% no segundo turno, contra 39% do candidato da Concertação, o ex-presidente democratacristão Eduardo Frei.
O Chile exibe a cara vitoriosa do neoliberalismo em um continente em que esse modelo se mostra enfraquecido e onde enfrenta a maior quantidade de governos que, de uma ou outra forma, saem do modelo rígido do neoliberalismo. Não por acaso sobrou às instituições neoliberais internacionais o Chile como “o caso” que teria dado certo, depois do fracasso dos seus outros exemplos supostamente vitoriosos: México e Argentina.
Depois de quatro mandatos da Concertação – aliança entre democrata-cristãos e socialistas, depois que estes romperam sua aliança histórica com os comunistas -, apesar da recuperação da imagem da presidente Bachelet, tiveram que apelar para o retorno do ex-presidente democrata-cristão Eduardo Frei como candidato. A direita mantêm seus 43% dos votos no primeiro e no segundo turno.
A oposição tem a Frei como candidato da aliança DC-PS. Setores descontentes do PS saíram e lançaram a um dirigente socialista histórico – Jorge Arrate – como candidato, apoiado pelos comunistas. Um jovem dirigente socialista – Marco Enriquez Ominami – também saiu e lançou sua candidatura, com um perfil individualista, com grande apoio midiático, dividindo forças da oposição. Outro parlamentar – Navarro – também saiu e se lançou como candidato.
O Partido Humanista, que havia tido o candidato unitário da esquerda nas eleições presidenciais passadas, tinha decidido apoiar a Arrate, mas retirou seu apoio e o concedeu a Ominami. Isto porque, necessitado de votos da esquerda no segundo, Frei fez um acordo com o PC para as eleições parlamentares.
O sistema eleitoral chileno privilegia as duas maiorias, bloqueando a representação das minorias. Dessa forma, a Concertação e a direita elegem a todos os parlamentares. O PC chegou a ter 9% de votos e não elegeu ninguém, devido à armadilha das eleições distritais. Para furar essa barreira, o PC fez um acordo com a Concertação, para cada um retirar seus candidatos e apoiar os do outro, quando não tiverem possibilidades de vitoria. Abre-se a possibilidade de que os comunistas possam finalmente eleger alguns parlamentares, coisas inédita até aqui, mantendo o apoio a Arrate como candidato presidencial. Os humanistas protestaram contra o acordo e por isso a sua mudança de posição.
As pesquisas indicam que hoje, no segundo turno, Frei teria 39% dos votos. Não fica claro que proporção de votos desses candidatos receberia Frei. Ele poderá contar com o alto apoio da presidente [Michelle] Bachelet, mas a oposição é favorita, até aqui.
Como fotografia do retorno do espírito conciliador chileno, todos os candidatos, incluídos todos os da esquerda, participaram de um seminário convocado pela Fundação Edwards, da família proprietária do grande jornal da direita chilena, pinochetista, El Mercurio, para discutir uma política de segurança publica. Essa Fundação liderou uma das mais brutais leis já aprovadas em qualquer lugar do mundo: a diminuição da idade de imputabilidade penal para 14 anos (sic), instrumentalizando alguns casos de crimes cometidos por jovens. A esquerda apoiou o projeto.
O Chile é o único país, dentre os que teve ditadura militar, em que as forças da ditadura não desapareceram ou se transfiguraram para se distanciarem do período ditatorial. A direita chilena é neo-pinochetista. Pôde contar com a manutenção, adaptada, do modelo econômico pinochetista pela Concertação. Tem contado sempre com quase 50% dos votos nas eleições presidenciais.
Como resultado desses elementos de continuidade, o Chile, que era dos países menos desiguais do continente, junto à Costa Rica e ao Uruguai, apesar das políticas compensatórias da Concertação, passou a ser dos mais injustos. A capacidade do Chile de resistir à crise, apesar do Tratado de Livre Comercio assinado com os EUA, é maior do que outros países que seguiram esse caminho, porque o governo guardou uma parte dos dividendos da exportação do cobre, prevendo momentos difíceis no futuro, dispondo agora de recursos extra para compensar a enorme queda da demanda externa, muito dura para uma economia que tem 50% do seu PIB voltado para o comercio exterior.
Este é um dos fatores que fez com que Bachelet recuperasse apoio popular. O que pode não ser suficiente para impedir a vitória dos neopinochetistas. Até mesmo porque a manutenção do TLC com os EUA –questionado hoje até mesmo por setores das FFAA – pode fazer com que, terminados os recursos guardados do cobre, a crise chegue com todo o seu peso para um país que preferiu uma relação privilegiada com os EUA ao invés de participar da integração latinoamericana.
A avenida que continua a recordar o brutal golpe de Estado de Pinochet, que destruiu tudo o que tinha que ver com democracia e com povo no Chile, é muito diferente, praticamente o oposto das “grandes avenidas” a que Allende se referiu no seu ultimo discurso, que reabririam o futuro democrático do Chile.

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