sábado, 29 de agosto de 2009

Belchior foi localizado.

"Belchior apareceu".

O meu lugar é onde você quer que ele seja não quero o que a cabeça pensa quero o que alma deseja

Não foi muita surpresa para mim, essa “incerta” como disse que faria o próprio Belchior a “um amigo seu” (e acho que não era o analista) divulgada amplamente na mídia desde o domingo 23 de agosto. O nosso genial cantor, compositor, poeta, calígrafo, dentre outras peripécias “rapaz latino americano,” não de caso pensado, sem exigir de mente tão irônica e irreverente, “cortante como uma faca” bom comportamento, na verdade não desapareceu e sim apareceu.

Até que fim. Ufa! Justiça seja ou sendo feita?A matéria foi gerada pela sua ausência óbvia da “alucinação do dia-a-dia” marcada por centenas de shows (para o nosso deleite), vida agitada e intensamente produtiva. Diante desse “procura-se” quase que desesperado do nosso “abandonador, réu confesso de lares” me atrevo a escrever sobre seu aparecimento e nunca paradeiro. Alguém se atreveu a ir além do “shopping Center” ou procurá-lo no “escuro do cinema”?

Não me atreverei a localizá-lo, “neste presente instante”, pois “não gosto que me sigam” já disse certa vez nosso rebelde e com muita causa “lido e corrido” que foi e é nos cabarés da vida, no “vivenciar o sol e não o dia ou a lua e não à noite”. Não nos preocupemos “o anjo do senhor de quem nos fala o livro santo não o convidou para uma cerveja”. Quero nestas linhas mal traçadas, pelo menos colaborar mui humildemente, pois “conheço o meu lugar” a não deixar que eles “cantem vitória e levem flores para cova do inimigo”. Ajudar na retratação “do nosso marginal bem sucedido” é o mínimo que posso fazer com Belchior. Voz vinda da alma que nos antecipou em seu lirismo único, sofisticado, simples, profundo, elegante, filosófico e “cantado pelo povo” “o cheiro da nova estação” sem nunca querer ser “voz única do que é novo”.

Por dever de ofício e ao propor ao então vereador professor Pinheiro hoje nosso vice-governador, que solicitasse a Augusta Câmara Municipal de Fortaleza que outorgasse o título de seu cidadão ao nosso rapaz “latino-americano” me “aproximei de Belchior”. Como admirador profundo da sua produção cultural e não como fã. Já ouvi irônica e dura resposta a uma “carta” de alguém que assim se reivindicou. Acho justo, portanto ajudar, não no “procura-se” ao Sr. Antonio Carlos Gomes Belchior Fonteneles Fernandes, mas no fazê-lo presente em quem ou aonde não o encontrávamos e deveria estar.

Preconceito, desconhecimento ou pelo tratamento “quase honesto” dado pela nossa grande mídia, enfim, de fato havia para sermos justos, uma injustiça a obra extraordinária do cearense Belchior, reparada por caminhos não muito floridos por “Ypês” ou “gente jovem, consciente reunida” na matéria de um desse domingos em um programa de variedades da maior emissora de TV do país. Foi na base de certo sensacionalismo apelativo peculiar a nossa mídia, “cumprindo o seu dever, defendendo seu amor e nossas vidas”. Por caminhos tortos, talvez tenha se escrito realmente certo. Vamos aguardar um pouco mais.

Juntando sonhos, sons, abraços e canções, estou atrevidamente com um projeto de escrever uma biografia do rebelde em questão nesta missiva. Sem dúvida "procura-se" ou “encontra-se” Belchior será um capítulo muito especial deste livro, de muitas aventuras, lirismo, poesia e genialidade.

Nada de caso pensado, bater perna no mundo faz parte da alma libertada conquistadas por artistas e experimentadores. De alguma maneira, por caminhos inesperados o “sumiço” o reconduziu para "ilustres desconhecedores" ao patamar de onde nunca saiu para quem o acompanha. Sua produção artística, sem comparar “com um ou outro” gênio da nossa MPB (“quem dera fosse eu, um Chico, um Gil, um Caetano cantaria todo ufano os anais da Guerra Civil”). Cada um com seu canto, no "seu espaço e canto".

Belchior está (e de fato esse reconhecimento o é devido) no seleto grupo dos maiores cantores, compositores, poetas e intelectuais da língua portuguesa e do mundo latino. Chico, Gil e Caetano, extraordinários e não menos geniais explodiram durante o auge da ditadura. Belchior um pouco depois, nos seus estertores a volta do exílio e a abertura. Não há descrição mais profunda deste tempo com cheiro de “coisas novas” e algumas velhas ameaças autoritárias, no seio do que “novo que sempre vem”.

Os antecessores foram legitimamente sem exageros (tentei explicar um dos motivos acima) mitificados e cultuados, devidamente por justiça permaneceram na mídia por vários motivos, para além do desqualificante “souberam cavar mais espaço”. Justiça com eles. Inegavelmente “bárbaros”. Injustiça com o nosso querido e não menos “bárbaro goliardo” sobralense (teria nascido em Coreáu? “Pouco me importa, não eu não sou do sertão dos esquecidos”), literalmente cidadão do mundo.

A sensação de muitos era revelada na pergunta feita a mim e a muitos que acompanham a carreira de Belchior, ele parou de produzir? Só tem esse pouco mais de 30 clássicos (como se fosse pouco diante do massacre do “lixil cultural S.A”). Nunca em tempo algum., Belchior não para, recordista disparado de shows no país, musicou divinamente em tempo recente 33 poemas de Drummond, compôs “bossa em palavrões” uma obra de arte, passeou na MPB de Marina a Chico Buarque, Roberto Carlos em “Vício Elegante” (pioneiro em regravar “bregas cults” com Aparências, bem antes de Caetano revisar Fernando Mendes).

Boicote, preconceito, mas que estamos nos referindo a um gênio e de uma obra genial que não deixa nada a desejar aos aqui citados e tantos outros, não podemos ter dúvida. Sem comparar qual é o melhor, ou escolher o “número um” em um mundo de bilhões (lógica individualista que sustenta essa coisa absurda chamada capitalismo). Isso não existe, não falo aqui de preferências e sim de coerência, justiça e reconhecimento (coisas raras nesses dias de gente “sem pão e daqui a pouco sem circo”). Acho que para um setor de classe média virou “cult” e passou a ser “chiq”, mesmo sem conhecê-los profundamente, falar superficialmente e dizer que gosta dos gênios Chico, Caetano e Gil. O simbolismo verdadeiro de resistência a ditadura, a qualidade inegável de suas obras, a ocupação da mídia, tudo isso é legitimo e justifica a maior visibilidade do trio. O “desaparecimento” de Belchior foi injustificado. Bom ter “aparecido”, ‘viver o humor das praças cheias de pessoas” para inaugurar a vida inteiramente livre e triunfante.

Belchior filosoficamente canta a “solidão das pessoas nessas capitais”, as coisas mais profundas desse país, a volta do exílio, “flores de um “68” não realizado, a abertura política, o país que se avizinhava pós-ditadura, o sexo (Sensual), imortalizada por Ney Matogrosso. Conhecem? Os dramas dos retirantes, da juventude, dos indígenas, os dramas nas grandes cidades, o homossexualismo (De primeira grandeza), os dramas e as paixões populares e a violência da noite e a barbaridade neoliberal (Bahiuno) com 500 de quê? Tudo novo e fantasticamente elaborado com a colaboração dos gênios da literatura universal e da alma portuguesa. Por favor, não me venha com o simplório e já batido “ele não tem produzido nada novo”. Já pensou. De fato ele não é xodó da grande mídia que hoje diz e dita o que é “novo e bom”. Estamos em maus lençóis. É melhor ser “fora da lei e procurado” mesmo.

A outro fator importante em que acho residir um pouco de não ser Belchior um dos “queridinhos” dos donos da nossa mídia por democratizar-se permanentemente. O “rapaz latino” continuou áspero com a “ordem”, sem parentes importantes e sempre lembrando “a inexistência dos sertões”. Os outros também, mas bem menos. De todos de maior expressão do que chamamos de MPB ele continuou nas letras e na forma de agir rebelde, quase um alternativo cantando bem menos nas maiores e mais caras "casas de espetáculos" do Brasil e muito mais em "primeiros de maio", presídios, pequenos festivais de músicas, calouradas ou em cima de uma “Kombi” em Sobral.

Continuar “com o pé na estrada”, a ausência de superprodução e a manutenção de shows públicos ou a preços populares, em qualquer “buraco” para alguns incautos o tirou a aura de gênio, para uma legião incontável de fãs o tornou mesmo que ele não tenha a intenção (acho que talvez não tenha tido mesmo) o ultimo bastião dos que não “passaram a viver e ser os mesmos que os seus pais,” uma espécie de ultimo rebelde da MPB. Acho isso fantástico. Como vive no capitalismo vende sua força de trabalho ganha seu dinheiro, se desgasta inevitavelmente “com um ou com outro” pela mistura inevitável dos negócios com artista. Infelizmente tem que ter a parte comercial e dinheiro tem a “pintura do diabo”. Talvez bater duro e insistentemente em alguns daqueles mais radicais contemporâneos de sua geração, que iriam mudar o mundo numa fração de segundos e logo, logo preferiram “vender a alma ao diabo”, “voltando pra casa para contar o seu vil metal”, tenha custado muito caro ao nosso rapaz latino-americano.

Portanto Belchior foi encontrado, ou melhor, reencontrado ainda “canta e requebra’ nos palcos pelo Brasil e no mundo afora em uma performance única , lírica, poética, popular e filosófica ao mesmo tempo. O Brasil que tanto canta em sua tropicalidade e vigor poético volta-se para ele, procura-o e o reencontra, como eterno estudante, pronto para novas “loucuras, chicletes e som”, com a “voz ativa”, sabendo “de que lado nasce o sol” pra viver “tudo outra vez” e restabelecendo seu lugar no pathernon dos grandes nomes da Musica Popular Brasileira. E não esqueçamos “as lágrimas dos jovens são fortes como um segredo podem fazer renascer um mau antigo”. Pois: “A voz resiste. A fala insiste: você me ouvirá. A voz resiste. A fala insiste: quem viver verá”.

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