domingo, 13 de setembro de 2009

8 anos sem Toninho do PT.

Discurso proferido na Câmara dos Deputados na sessão extraordinária de 10 de setembro de 2009.
Toninho era arquiteto por formação. Dedicou sua vida a entender os problemas urbanos e propor soluções para as grandes cidades, em especial Campinas. Ainda na sua juventude participou do Movimento Assembléia do Povo, marco importante da luta por moradia em Campinas.
Em 81 filiou-se ao PT, o único partido do qual participou durante toda sua vida. Acreditava na política como instrumento da transformação social, aliais, adotou como primeiro nome o PT, na inesquecível campanha PT Toninho 13, Coragem de Mudar, na qual, com poucos recursos e uma campanha vermelha, elegeu-se prefeito de Campinas.
Sua tese de doutorado, pela FAU USP, “Campinas, das origens ao futuro”, é estudada
por todos que querem entender como se dá a organização do espaço urbano, e como o poder público pode propor alternativas para, como dizia Toninho do PT, “construir uma cidade socialmente justa, economicamente viável e ambientalmente equilibrada”.
Toninho gostava de dizer que não era político profissional. Seu sonho sempre foi ser prefeito, nunca disputou outro cargo político. Preparou-se para governar a maior cidade do interior do Brasil, debatendo na academia, seja na PUC ou na USP e no Partido, as melhores formas de enfrentar as desigualdades da metrópole.
Toninho do PT foi morto no dia 10 de setembro de 2001, na Av. Mackenzie. Segundo o ministério público de São Paulo, foi morto porque atrapalhara o trânsito. Um crime sem motivo e sem causa. Porque alguém simplesmente podia tirar a vida da maior autoridade da cidade de Campinas.
Quando Toninho do PT chegou sorridente, ninguém imaginava que aquele discurso seria o último proferido pelo prefeito de Campinas. Toninho subiu no pequeno palco do Salão Vermelho da prefeitura de Campinas, justificou sua decisão de apoiar a criação do feriado de 20 de novembro como feriado da consciência negra, lembrando que Campinas fora a última cidade a abolir a escravidão do País. Disse que, se por acaso algo acontecesse com sua vida, Izalene, sua vice, seria a primeira mulher a ser prefeita da principal cidade do interior do Brasil.
Menos de uma hora depois disso, entre 22h e 22h30, Toninho seria assassinado ao sair de um Shopping Center a menos de mil metros de sua casa. Roseana Garcia, psicóloga e viúva do prefeito, contou que se separou do marido por minutos, para que ele pudesse pegar um terno novo nesse Shopping.
Ao perceber a demora do marido, ligou para o celular de Toninho, que foi atendido por um policial militar: - Aqui é a polícia militar... Desligou assutada.
Os números de Campinas em relação à violência urbana eram maiores, proporcionalmente, que os da Capital São Paulo.Roseana, temendo algo, ligou para o chefe de Gabinete Gerardo Melo, que imediatamente ligou para o celular do prefeito. Ao ser comunicado, foi ao local, onde reconheceu o corpo do prefeito assassinado por volta da meia noite do dia 11 de setembro.
O dia 11 de setembro foi cinza na “cidade das andorinhas”, mais de 100.000 pessoas tentavam dar adeus ao prefeito Toninho.
Enquanto o mundo assistia aos terríveis ataques as torres gêmeas, Campinas vivia sua tragédia particular. Em vão, o carro de som tentava organizar a fila, a chuva fina dava um ar ainda mais triste para cidade.
Estive na cidade ao lado de Lula, Marta, Palocci e tantas outras lideranças do PT, meio perdido, sem entender os motivos que levaram à morte e nosso querido companheiro.
Desde o início a investigação foi confusa. Os policias que atenderam a ocorrência recolheram três cápsulas de uma arma calibre 9 mm e não isolaram o local do crime. Minutos depois da primeira viatura chegar, dezenas de políticos, amigos e curiosos se aglomeravam, violando o local do assassinato.
Logo depois do crime, a polícia apresentou a solução: Quatro rapazes, de uma favela vizinha ao local do acontecimento, haviam assaltado e assassinado o prefeito Toninho. Latrocínio foi a conclusão apressada. No final de 2001, descobriu-se que eles haviam confessado a “autoria do homicídio” sob tortura, e uma testemunha fora coagida a reconhecer a moto.
Os policiais que conduziram as investigações eram acusados de manter conexões com o crime em Campinas. Élcio Gonçalves Sotelo e Fernando Arruda Penteado foram, inclusive, condenados por colaborar com quadrilhas. O segundo oferecia segurança à organização criminosa liderada por William Sozza, preso pela CPI do Narcotráfico em 1999.
Campinas esteve em todos os noticiários nessa época, não pelo seu parque industrial e tecnológico, mas sim por ser centro logístico do narcotráfico e roubo de carga no País.
Outro “famoso” policial que ajudara nas investigações é o temido “Lazinho”, que fora denunciado já em 1975 por 34 presos políticos como torturador.
Lazinho foi investigado por diversos crimes, abuso de autoridade, tortura e corrupção. Na CPI do Narcotráfico Lazinho conseguiu, enfim, ser reconhecido pela população: Foi aplaudido de pé quando saiu algemado do Fórum de Campinas. Sua prisão não durou muito, mas, entre os populares que estavam aplaudindo o “fim da impunidade” do policial, estava o cidadão Antonio da Costa Santos. O Toninho.
O próprio ouvidor da Polícia do Estado em 2001, Fermino Fecchio, afirmou que “Campinas era um mundo a parte, com corrupção, desmando e abuso de autoridade por parte das forças policias, com a complacência criminosa das autoridades”. Petruluzzi, ex-secretário de segurança de Covas e Alckimin concordou, disse que “de fato Campinas era um grande problema, a banda podre da polícia tinha muito poder”.
As investidas da polícia foram então sobre uma famosa quadrilha de seqüestradores e assaltantes. Liderada por Andinho, Wanderson Nilton de Paula Lima, o grupo foi acusado por dezenas de crimes na região de Campinas.
Andinho nunca assumiu sua participação no crime que tirou a vida do prefeito, e seus comparsas não puderam ser ouvidos. Todos os outros acusados pelo Ministério Público estadual foram executados pela polícia em uma operação clandestina na cidade de Caraguatatuba e durante a prisão de Andinho.
Todas as testemunhas ouvidas pela polícia falaram em um Vectra prata ou cinza, que teria passado em alta velocidade pelo local do crime e, do seu interior, teriam sido efetuados os disparos que vitimaram o prefeito. Na mesma madrugada dois Vectras foram capturados e devolvidos para os respectivos donos sem que as digitais fossem retiradas. A perícia da polícia foi incapaz de manter as únicas evidências do crime intactas, contribuindo ainda mais para não solução do caso. A arma do crime nunca foi encontrada.
Pouco depois do assassinato do prefeito, outro fato chamou a atenção.
Em uma tarde, o porteiro do condomínio Barra Mansa, no litoral norte de São Paulo, não teve coragem de pedir identificação, atônito, liberou rapidamente os veículos que forçavam a entrada.
Os barulhos de tiro chamaram a atenção dos vizinhos que ligaram para polícia da cidade. Ao chegar ao condomínio, os policias avistaram dois corpos sendo carregados para o porta-malas de um Passat. Quatro rapazes foram mortos, dois sem antecedentes criminais, além de Valmir e Anzo, comparsas de Andinho e também acusados pelo crime.
A polícia de Caraguatatuba descobriu que os assassinos eram um delegado, três investigadores e dois carcereiros, todos de Campinas. Ao serem questionados sobre os motivos de uma operação sem avisar a polícia local, justificaram que investigavam um seqüestro ainda em andamento e o assassinato do prefeito de Campinas. Entregaram uma arma, supostamente utilizada no assassinato do prefeito, e as armas com as quais haviam atirado nos “bandidos” no condomínio.
Investigação feita pela ouvidoria da polícia militar sobre o caso apurou que não houve troca de tiros, e qualificou o evento como execução, os jovens estavam dormindo quando os policiais chegaram. Além disso, as armas entregues pelo delegado de polícia não foram as mesmas utilizadas na chacina e nem a que matou Toninho. Eles não apresentaram nem suas armas verdadeiras. Não fossem os vizinhos terem chamado a polícia, os corpos poderiam ter sido desovados em algum lugar.
O nome do delegado em questão é Marcos Antônio Manfrim. Descobriu-se depois que o delegado também havia omitido em seu depoimento inicial a presença do carcereiro Sandro José da Costa e do investigador Rogério Salum Diniz. Ainda nesse período, uma escuta da delegacia anti-sequestro flagrou Rogério Diniz passando informações para Andinho.
Por fim, a pérola do crime comum. Os promotores de Campinas ofereceram denúncia contra Andinho pelo assassinato de Toninho. O Ministério Público de São Paulo alegou que o prefeito estava dirigindo devagar seu pálio 2000, atrapalhando a fuga do bando de Andinho. Para abrir caminho, eles deram três tiros, dos quais um acertou o vidro, outra acertou a barra do veículo e o terceiro tirou a vida do prefeito da cidade.
Uma das coisas que mais incomodam a viúva Roseana Garcia e nosso partido é o fato de o Ministério Público Estadual não ter investigado a hipótese de crime de mando. Toninho enfrentou interesses poderosos na cidade, desde sua juventude.
Lutou pela preservação e tombamento de diversos prédios históricos, pelo meio ambiente e preservação da área rural. Mesmo antes de ser prefeito, juntou dossiê e apresentou-se a CPI do Narcotráfico, para subsidiá-la com informações preciosas sobre o crime organizado em Campinas.
Eleito prefeito, renegociou o contrato de lixo, o contrato de segurança terceirizada e municipalizou a merendar escolar. Além disso, decretou a APA (área de proteção ambiental) de Souzas e Joaquim Egídio, contrariando o interesse daqueles que gostariam de ver os grandes condomínios fechados naquela área nobre da cidade. Depois de sua morte, a APA vem sendo dilacerada aos poucos pela mesma especulação imobiliária combatida pelo prefeito Toninho.
Regulamentou o transporte alternativo, obrigou as empresas de ônibus a recontratarem os “cobradores”, decretou a abertura de condomínios residências fechados de forma irregular. Rompeu com vários vícios do Departamento de Urbanismo e uso do Solo, rompendo com a cultura de propinas e combatendo a sonegação.
Toninho do PT economizou mais de R$ 40 milhões aos cofres públicos em poucos meses de governo.
Mesmo nesse contexto, o ministério público e a polícia civil não cogitaram a possibilidade de Toninho ter sido assassinado por contrariar interesses políticos e econômicos.
Federalização do crime.
Em setembro de 2007, o Juiz José Henrique Rodrigues Torres não aceitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público de São Paulo (MPE) contra Andinho, na peça, o Juiz discorre sobre “o que é indício?” e apresenta as fragilidades da denúncia do MPE.“Há algo de podre no reino da Dinamarca”. Citando William Shakespeare, Torres critica em seu despacho a tortura dos primeiros acusados pela polícia, com a presença dos promotores do MPE.
Luiz Antônio Marrey, procurador de Justiça de São Paulo na época do crime, não teve cautela nenhuma em defender a tese dos promotores públicos. Na época de suas declarações, em 2003, Roseana lhe enviou carta questionando seu julgamento. “Como se explica o fato de policiais acusados de corrupção, extorsão, tortura serem os primeiros indicados para investigar o caso? Como se explica o fato de prenderem jovens, forjar provas de latrocínio e depois terem que retirar as acusações e serem processados por tortura? Como se explica a pressa em encerrar as investigações de um caso tão complexo e importante como esse?”
Por essas e outras, a família de Toninho não acredita na isonomia do Ministério Público Estadual e na competência da polícia paulista.
Com base na lei 10.446 de 8 de maio de 2002, Tarso Genro, ministro da Justiça, determinou abertura de inquérito a ser apurado pela Polícia Federal. Essa ação depende de parecer favorável do procurador Geral da República, que até hoje não aconteceu.
A memória de Toninho continua viva em todos aqueles homens e mulheres que acreditam na possibilidade de construir um novo mundo, livre da miséria e da violência, onde as pessoas tenham o direito de ser humanamente diferentes, socialmente iguais e totalmente livres.
Como os sonhos são eternos, Toninho vive em cada um de nós.
Ricardo Berzoini é presidente nacional do PT

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